Governo e Alerj negociam recomposição salarial do Executivo. Saiba o que está em jogo
Após protestos e reuniões, assembleiacria comissão para avaliar impacto financeiro da recomposição salarial e busca alternativas para viabilizar pagamentos
Por Gustavo Silva — Rio de Janeiro
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) retomou as discussões sobre a recomposição salarial dos servidores do Poder Executivo, um tema que vinha sendo pressionado pelas categorias desde a suspensão das negociações, há oito meses. A decisão de reabrir o debate ocorreu após manifestações realizadas no início de fevereiro, quando servidores foram recebidos no plenário da Casa e conseguiram avançar na pauta com a mediação do Parlamento.
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A principal demanda dos servidores é o pagamento das segunda e terceira parcelas da recomposição salarial referente ao período de setembro de 2017 a dezembro de 2021, que deveriam ter sido pagas em 2023, mas foram adiadas por dificuldades orçamentárias do governo estadual.
Essas parcelas, que somam 13% de reajuste, ainda não foram repassadas aos servidores do Executivo, enquanto outras categorias, de outros poderes, já receberam a recomposição.
Avanço
Para avançar nas negociações, foi criada uma comissão formada por deputados, representantes do governo e dos sindicatos dos servidores do Executivo.
O grupo é coordenado pelo presidente da Alerj, deputado Bacellar (PL), aliado do governo estadual.
Perdas acumuladas
A recomposição salarial dos servidores do Estado do Rio de Janeiro tem sido tema central dos debates na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), com parlamentares de diferentes espectros políticos apontando a necessidade de priorizar o pagamento das parcelas pendentes.
Para o deputado estadual Flavio Serafini (PSOL), presidente da Comissão de Servidores Públicos da Alerj, a desvalorização do funcionalismo ao longo dos anos impacta diretamente na qualidade dos serviços prestados à população.
Serafini alertou que as perdas salariais acumuladas pelos servidores desde 2014 já ultrapassam 50%, sendo 20% apenas desde 2021.
– Desde 2014 até hoje, os servidores enfrentam uma perda salarial de cerca de 50%, o que é inaceitável. Além disso, passaram por períodos de atraso no pagamento e aumento da alíquota previdenciária. Precisamos garantir uma política de recomposição e recuperar os serviços públicos. Não é à toa que setores essenciais, como Educação e Saúde, estão em crise. O governo do estado gasta mais com custeio do que com servidores, o que evidencia uma distorção na gestão orçamentária – critica Serafini.
Segundo o parlamentar, a viabilidade da recomposição salarial passa por uma mudança na alocação dos recursos estaduais.
– O Estado gastou R$ 2 bilhões a menos com servidores do que previa a Lei Orçamentária Anual e R$ 5 bilhões a mais com custeio. O governo não cumpriu a lei que destina royalties para Educação e Saúde e segue descumprindo o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), dependendo de uma liminar para mantê-lo. A adesão ao PROPAG pode aliviar a pressão sobre o orçamento e abrir espaço para a recomposição – explica.
A comissão da Alerj vai discutir os cálculos das perdas salariais quanto o impacto financeiro da recomposição.
– Precisamos consolidar os dados para pressionar o governo a cumprir suas obrigações. Além disso, há a preocupação com o Rioprevidência, que deixou de receber R$ 5 bilhões em 2023 sem qualquer justificativa ou estudo de impacto – pontua Serafini.
Pagamento de parcelas
No debate parlamentar, o deputado Luiz Paulo (PSD), vice-presidente da Comissão de Servidores Públicos da Alerj, propôs que as duas parcelas pendentes fossem pagas imediatamente, com o valor retroativo a janeiro de 2023 sendo parcelado posteriormente, como forma de garantir um alívio financeiro mais rápido aos servidores.
– O orçamento de 2025 já projeta um déficit de R$ 14,6 bilhões, sendo que R$ 11,6 bilhões são destinados ao pagamento da dívida com a União. Apesar disso, o Executivo precisa cumprir a lei e pagar as duas parcelas restantes da reposição salarial, que representam um direito adquirido pelo funcionalismo público. Outros poderes, como Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, já efetuaram os pagamentos, enquanto o Executivo segue inadimplente – ressalta.
Luiz Paulo aponta que o impacto financeiro da recomposição foi estimado pelo Executivo, mas sem detalhamento suficiente.
– O documento que recebemos não explicita se pensionistas estão incluídos, o que é uma falha grave. Se as parcelas tivessem sido pagas nos prazos corretos, teriam custado cerca de R$ 4 bilhões. Com a inflação corroendo os valores, a defasagem se agrava. A maioria dos deputados apoia a recomposição, mas precisamos discutir como viabilizá-la dentro das limitações orçamentárias.
O parlamentar destaca que a adesão ao PROPAG pode ser um caminho viável para a recomposição.
– O estado pode abater até 20% do principal da dívida com a União ao oferecer ativos como contrapartida. No entanto, a adesão ao programa exige que o estado esteja no Regime de Recuperação Fiscal. O ideal seria formalizar essa adesão até 30 de junho, pois a liminar que mantém o estado no RRF é temporária. Se conseguirmos consolidar esse acordo, a recomposição salarial pode se tornar mais viável dentro das novas regras fiscais – projeta Luiz Paulo.
Principal reivindicação
A recomposição salarial dos servidores do Estado do Rio de Janeiro segue como principal pauta de reivindicação das entidades sindicais, conforme destaca André Ferraz, diretor da ASSERVISA/RJ e do SINFAERJ.
Segundo ele, a prioridade é garantir a recuperação das perdas inflacionárias, conforme prevê a Lei 9.436/2021, e incluir as perdas referentes ao exercício de 2024, além das diferenças retroativas que deveriam ter sido aplicadas em janeiro de 2023 e janeiro de 2024.
– Não podemos desprezar o esforço dos servidores que atuaram na linha de frente durante a pandemia. As perdas inflacionárias acumuladas entre setembro de 2017 e dezembro de 2021 não foram compensadas até agora.
Até o momento, segundo Ferraz, o governo do estado ainda não apresentou nenhuma proposta concreta de recomposição.
– É isso que a Alerj vai cobrar conosco. Os deputados estão estudando o cenário fiscal, considerando a adesão ao Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal (PROPAG), o impacto do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o endividamento do estado e o crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL), que permite a concessão dos reajustes.
O sindicalista também alerta para o impacto negativo da falta de isonomia nas revisões salariais, especialmente para aposentados e pensionistas com paridade.
– A perda da qualidade de vida dos servidores e o crescente endividamento do funcionalismo público atingem não apenas essas famílias, mas também o comércio do estado, pois reduzem o poder de compra da categoria.
Avaliação do funcionalismo
De acordo com Eduardo Mendes, representante do Fórum Permanente dos Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Fosperj), após o levantamento feito pela comissão sobre o RRF, Propag e percentual das parcelas pendentes, os servidores serão chamados para uma reunião com os deputados, na qual serão apresentadas as premissas estudadas.
O governo estadual também será convidado para discutir os impactos da recomposição na folha de pagamento e no fluxo de caixa, com a realização de simulações para avaliar a viabilidade financeira da proposta.
– A expectativa é que, logo após o Carnaval, seja definido um calendário de reuniões envolvendo a comissão de servidores e representantes do governo, incluindo integrantes da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Secretaria de Fazenda (Sefaz), Casa Civil e Rioprevidência.
O prazo estimado para a conclusão dos estudos e análises é de aproximadamente 30 dias.
Outro lado
Em nota, o Governo do Estado do Rio de Janeiro informou que “trabalha para garantir a saúde financeira do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, implementar políticas de valorização do funcionalismo público, por meio de uma gestão planejada, respeitando as regras do Regime de Recuperação Fiscal. Soma-se a essas medidas a articulação intensa do governador Cláudio Castro pela derrubada dos vetos do Palácio do Planalto ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag)”.
“Nesse sentido, o diálogo com a Assembleia Legislativa e as categorias do funcionalismo é fundamental para a construção conjunta de uma melhor saída para o Estado do Rio, considerando o cenário financeiro fluminense e o respeito às regras fiscais”, destaca a nota.
O texto ainda aponta que, desde 2014, não havia sido concedido nenhum reajuste na folha salarial dos servidores e uma das primeiras medidas implementadas pela atual gestão foi o pagamento da primeira parcela da recomposição salarial de 13,05%, em janeiro de 2022, além de 5,9% de reajuste nos salários, em janeiro de 2023.
“A atual gestão também estabeleceu um calendário de pagamentos para o funcionalismo estadual: os salários passaram a ser pagos no 3º dia útil. E a primeira parcela do 13° salário passou a ser depositada em junho. O cronograma vem sendo rigorosamente cumprido – em alguns casos, até antecipado”, conclui.